Deus(es)

Religião é um dos meus assuntos favoritos. Talvez pela polêmica que sempre gera em qualquer grupo de pessoas. Talvez por ser, na minha opinião, um dos principais entraves da evolução humana. Ou talvez, simplesmente, por ser um assunto que para muitos "não se discute" e onde cada um tem sua opinião - mesmo que seja uma opinião "aprendida". Lembrem-se: eu não sou Teólogo, ou Historiador, ou Antropólogo, ou qualquer outra especialidade que o valha. E também não pretendo me aprofundar nos assuntos correlacionados, pois não é uma Monografia ou Tese. Mas, que seja... vamos à MINHA opinião:

A Mitologia (ou Religião, ou a simples concepção de divindade) foi a primeira (e durante muito tempo a única) tentativa de controlar o comportamento humano. Eu falo em divindade no sentido de "algo" ou "alguém" que controla um ou mais aspectos de nossa realidade. As divindades mais antigas eram naturais, ou traduziam os eventos naturais que não podiam ser facilmente explicados. Não tinham forma qualquer além do próprio elemento que representavam. Eram o fogo em si (e não um Deus do Fogo), o trovão em si (e não um Deus do Trovão), a chuva, o vento, etc. Para tentar explicar estes eventos, o ser humano passou a criar histórias, e assim começaram a surgir os mitos e lendas, transmitidos oralmente de geração em geração - sempre contando um conto e aumentando (ou suprimindo) um ponto. As divindades começaram a ganhar forma (animais, humanas, abstratas ou mistas) e "vida". Inúmeras destas histórias são metáforas muito bem elaboradas. Cada proto-civilização criou sua mitologia. Muitas se perderam, se fundiram ou foram absorvidas por outras.

Em algum momento alguém percebeu que ser o disseminador destas histórias, saber manipular os elementos (fogo, plantas medicinais e entorpecentes, etc.) e passar-se por "intermediário entre Deus e os Homens" poderia significar PODER sobre os demais. Os Sacerdotes associaram-se com (quando não puderam ser) os primeiros líderes. E as "leis dos deuses" passaram a reger as vidas dos homens. De forma geral, estas leis eram basicamente para impor a todos uma única moral e conter/punir atos que trouxessem malefícios à comunidade. Os Sacerdotes foram, também junto dos líderes, os primeiros juízes. É possível, então, afirmar que as relações de poder da humanidade tem origem na Religião: Estado, Política, Legislação, Justiça, Polícia, etc. Talvez a única exceção seja a Propriedade Privada, que parece ter origem na Família e no controle da demanda de alimentos.

Com a evolução dos sistemas políticos, em muitos lugares, o Estado acabou se desligando da Religião. Muitas vezes mais de uma maneira conceitual que prática. Seguiram (e ainda seguem em muitos lugares) por muito tempo em paralelo e os Governos sempre foram "abençoados". A Nobreza se caracterizou por abrigar os "ungidos", enquanto a Plebe era condenada a viver à mercê da vontade dos deuses (que nada mais era que a vontade da Nobreza e do Clero, por serem estes os escolhidos dos deuses). Vale ressaltar que quando me refiro a Nobreza e Clero não estou restringindo ao período medieval e sim a períodos muito anteriores, pois o mesmo método já existia nas tribos e nos clãs, por exemplo. Existia Nobreza e Clero no antigo Egito, na Grécia, na Mesopotâmia, no Oriente, nos Incas, nos Maias, nos Astecas, nos Indígenas, nos Aborígenes, nos Polinésios, nos Vikings, na África, etc. Aliás, um dos maiores problemas da "África Moderna" é justamente a tentativa de impor Estados em contraponto às Nações. E, mesmo em sistemas democráticos, é comum usar-se o jargão de que "a voz do povo é a voz de Deus".

A grande maioria das mitologias (ou religiões, se preferirem), em sua origem, é politeísta. A "unificação" de todas as divindades em uma só (monoteismo) não foi facilmente difundida. As mais difundidas delas tem uma única espinha dorsal: a Família de Abraão. Originalmente esta concepção ficou restrita aos Hebreus/Judeus e somente o Cristianismo e, depois, o Islamismo conseguiram ganhar espaço - muitas vezes por imposição. Constantino, numa brilhante manobra política (que, obviamente, tem uma versão oficial de "inspiração divina"), transformou o Cristianismo na Religião Oficial do Império Romano. Anos mais tarde, Teodósio I, coincidentemente o último governante do Império Romano unido, fez do Cristianismo a única religião legal. Isto fez com que, ao mesmo tempo que outras crenças passassem a ser perseguidas, ocorressem novos sincretismos. Os panteões (principalmente o greco-romano) transformaram-se nos Santos (que foram uma instituição exclusivamente Cristã) e, como nas mitologias ancestrais, existem Padroeiros para todas as coisas. As divindades pagãs passaram a representar o mal (vejam o exemplo de Baphomet, que passou a ter sua imagem associada ao próprio Satanás). Do Cristianismo (termo geral) surgiram as Igrejas Ortodoxas e o Catolicismo, que perseguiu outras crenças (Cruzadas e Inquisição) mas acabou se dividindo (Reforma Protestante, Presbiteranismo) e originando um número infindável de doutrinas.

O Sincretismo, aliás, sempre foi a principal forma de uma doutrina se sobrepor a outra(s). Um exemplo muito próximo de nós ocorreu com os cultos afro-brasileiros. E como vivemos em um país ocidental, onde a cultura cristã é tão enraizada, quando falamos em divindades costumamos esquecer outras incontáveis possibilidades. Temos inclusive algumas doutrinas que não possuem divindades, como o Espiritismo, Budismo, Taoismo, etc. Vale a pena ressaltar que Doutrina Religiosa é todo o conjunto de princípios, leis, regras ou dogmas (as verdades absolutas, inquestionáveis e irrefutáveis) que rege determinada crença.

Desse modo, voltemos à questão da separação Estado/Religião: Num Estado Laico, como o Brasil, nenhuma Doutrina Religiosa interfere no Estado, e vice-versa. O Estado garante às doutrinas o direito a seus Dogmas (princípios, regras, etc.), desde que nenhum destes se sobreponha às suas Leis. Temos o polêmico exemplo dos Sacrifícios de Animais, previstos em diversas doutrinas. Mas também existem os Estados Teocráticos, onde pode tanto existir uma tolerância às demais religiões (como na Inglaterra, onde a religião oficial é o Anglicanismo ou o Vaticano, onde a religião oficial é o Catolicismo), como sua proibição (como nas Ilhas Maldivas, onde quem não for Muçulmano perde a cidadania) ou, mesmo sem proibir, discriminar as demais (no Iraque é necessário pagar uma taxa para poder não ser Muçulmano) e até persegui-las com a conivência do Estado (o que ocorre geralmente em Estados Islâmicos). Também existiram países onde todas as práticas religiosas eram proibidas (União Soviética e outros países do antigo "Bloco Comunista"), o que ainda ocorre na Coréia do Norte.

Depois de tudo isto, alguém deve se perguntar: Estou defendendo ou condenando as práticas religiosas? Respondo que, apesar de muitas vertentes libertárias defenderem o fim de toda e qualquer religião, eu defendo sempre a liberdade, tanto individual quanto coletiva. Deste modo, a resposta é muito simples: Do mesmo modo que não se pode impor uma doutrina religiosa, também não se pode proibir. Eu não diria que a Humanidade necessita de religiões, mas alguns (talvez ainda a maioria) dos seres humanos necessitam de uma certa dose de mitologia para guiar suas consciências. Há quem diga (Freud, por exemplo, em O Futuro de Uma Ilusão) que se tirarmos do ser humano o medo da punição divina (pecado, carma, reencarnação, etc.) também estaremos tirando a ética e a moral. Tudo seria, portanto, instintivo. Em outras palavras: sem a Religião o Ser Humano perderia sua Humanidade. A discussão que eu acho válida não é sobre a existência ou não de uma ou mais divindades, mas sim nos benefícios e/ou malefícios da crença em si. Talvez seja esta a verdadeira interpretação de um antigo aforismo: "Deus criou o Homem" pode ser transformado em "O Homem criou Deus(es), e este(s) a Humanidade".


P.S.: Consegui terminar o texto sem citar Nietzsche.


Leiam mais e, por favor, não se contentem somente com os links indicados abaixo. Façam suas próprias pesquisas e tirem suas próprias conclusões:

http://www5.usp.br/36372/completando-100-anos-totem-e-tabu-carrega-teoria-sobre-o-surgimento-das-leis/

http://ruipaz.pro.br/textos/cienciacomconciencia.pdf

http://club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=9574:diferenca-entre-etnia-tribo-cla-e-linhagem-makuta-nkondo&catid=17:opiniao&Itemid=124

http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_engels_origem_propriedade_privada_estado.pdf

http://super.abril.com.br/religiao/cataros-hereges-gracas-deus-447853.shtml

http://jus.com.br/artigos/27281/multiculturalismo-e-colisao-de-direitos

http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/politica-cia/roberto-pompeu-de-toledo-o-brasil-e-um-estado-laico-mas-tambem-religioso/

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